STF: Simples Nacional e a dedução dos produtos tributados de forma concentrada das Contribuições PIS/Cofins

STF: Simples Nacional e a dedução dos produtos tributados de forma concentrada das Contribuições PIS/Cofins

Muito se tem comentado sobre uma recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que afetaria, de forma negativa, as empresas do Simples Nacional: quando do julgamento (virtual) do Recurso Extraordinário (RE) nº 1199021, os ministros concluíram, de forma unânime, que as empresas, sujeitas a este tipo de tributação, não podem excluir, da respectiva base de cálculo, os valores pagos, de forma antecipada, pelo importador/produtor sujeito ao pagamento das Contribuições PIS/Cofins de forma concentrada/monofásica.

Em tese, essa decisão prejudicaria as empresas tributadas pelo Simples Nacional que revendem os seguintes produtos:

a)     gasolinas, óleo diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP), álcool hidratado para fins carburantes;

b)    produtos farmacêuticos classificados nos seguintes códigos da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI): (i) 30.01, 30.03, exceto no código 3003.90.56; (ii) 30.04, exceto no código 3004.90.46;(ii) 3002.10.1, 3002.10.2, 3002.10.3, 3002.20.1, 3002.20.2, 3002.90.20, 3002.90.92, 3002.90.99, 3005.10.10, 3006.30.1, 3006.30.2 e 3006.60.00;

c)     produtos de perfumaria, de toucador ou de higiene pessoal, classificados nas posições 33.03 a 33.07 e nos códigos 3401.11.90, 3401.20.10 e 9603.21.00, da TIPI;

d)    máquinas e veículos, classificados nos códigos 84.29, 8432.40.00, 8432.80.00, 8433.20, 8433.30.00, 8433.40.00, 8433.5 e 87.01 a 87.06, da TIPI;

e)    pneus novos de borracha da posição 40.11 e câmaras de ar de borracha da posição 40.13, da TIPI;

f)      autopeças relacionadas nos Anexos I e II da Lei nº 10.485, de 2002, e alterações posteriores;

g)     águas, classificadas nas posições 22.01 e 22.02 da Tipi;

h)    cerveja de malte, classificada na posição 22.03 da Tipi;

i)      cerveja sem álcool, classificada na posição 22.02 da Tipi e;

j)      refrigerantes, classificados na posição 22.02 da Tipi.

Não há dúvida de que a decisão do STF concluiu pela constitucionalidade do parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 10.147/2000 e assentou a seguinte tese: “É constitucional a restrição, imposta a empresa optante pelo Simples Nacional, ao benefício fiscal de alíquota zero previsto no parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 10.147/2000, tendo em conta o regime próprio ao qual submetida.

Ocorre que, em verdade, a decisão proferida pelo E. STF não afeta as empresas tributadas atualmente pelo Simples Nacional, vez que o art. 2º da Lei nº 10.147/2000 foi invalidado pelo inciso IV do § 4 e inciso I § 4-A do art. 18, combinado com o § 12 do mesmo artigo, todos da Lei Complementar nº 123/2006 (posterior e hierarquicamente superior).

Explico:

Quando da publicação da referida Lei nº 10.147/2000 estava em vigor a Lei nº 9.317/96 que instituiu o “Simples Federal”, cuja base de cálculo era a “receita bruta” auferida mensalmente pelo contribuinte. Não havia previsão para realizar qualquer dedução da base de cálculo sobre a qual incidiam as alíquotas reduzidas.

Comprovando o sucesso da nova sistemática, por meio da edição da Lei Complementar (LC) nº 123/2006 (que revogou a Lei nº 10.147/2000), o Governo Federal implementou uma nova forma de tributação, bastante mais complexa, denominada “Simples Nacional”.

No que interessa, inicialmente, a nova norma somente previu a dedução da receita decorrente da venda de produtos sujeitos à substituição tributária, sem mencionar (especificamente) a tributação monofásica:

Art. 18 (…) § 4º O contribuinte deverá considerar, destacadamente, para fim de pagamento: (…)

IV – as receitas decorrentes da venda de mercadorias sujeitas a substituição tributária; e (…)

§ 12. Na apuração do montante devido no mês relativo a cada tributo, o contribuinte que apure receitas mencionadas nos incisos IV e V do § 4º deste artigo terá direito a redução do valor a ser recolhido na forma do Simples Nacional calculada nos termos dos §§ 13 e 14 deste artigo.

Portanto, enquanto vigorou a redação original da LC nº 123/2006, inexistia amparo legal para alterar os percentuais relativos às Contribuições PIS/Cofins (as receitas provenientes da venda de produtos sujeitos à tributação concentrada/ monofásica sequer deviam ser segregadas).

Nada obstante, o próprio Governo Federal retificou a omissão da legislação e, por meio da pela LC nº 128/2008, em especial, da nova redação que seu art. 3º atribuiu ao art. 18, § 4º, inciso IV, da LC nº 123/2006, o Simples Nacional passou a admitir a redução do valor pago, antecipadamente, por meio da tributação monofásica/concentrada das Contribuições PIS/Cofins:

Art. 18 (…) § 4º O contribuinte deverá considerar, destacadamente, para fim de pagamento: (…)

IV – as receitas decorrentes da venda de mercadorias sujeitas a substituição tributária e tributação concentrada em uma única etapa (monofásica), bem como, em relação ao ICMS, antecipação tributária com encerramento de tributação; (cf. red. do art. 3º da LC 128, de 2008) (…)

§ 12. Na apuração do montante devido no mês relativo a cada tributo, o contribuinte que apure receitas mencionadas nos incisos IV e V do § 4º deste artigo terá direito a redução do valor a ser recolhido na forma do Simples Nacional calculada nos termos dos §§ 13 e 14 deste artigo.

Vale ressaltar que, mais recentemente, a prerrogativa em evidência foi (inclusive) ampliada para incorporar as isenções ou reduções havidas nas etapas anteriores, consoante alteração havida pela LC nº 147/2014:

§ 4º-A O contribuinte deverá segregar, também, as receitas: (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

I – decorrentes de operações ou prestações sujeitas à tributação concentrada em uma única etapa (monofásica), bem como, em relação ao ICMS, que o imposto já tenha sido recolhido por substituto tributário ou por antecipação tributária com encerramento de tributação; (…)

§ 12. Na apuração do montante devido no mês relativo a cada tributo, para o contribuinte que apure receitas mencionadas nos incisos I a III e V do § 4º-A deste artigo, serão consideradas as reduções relativas aos tributos já recolhidos, ou sobre os quais tenha havido tributação monofásicaisenção, redução ou, no caso do ISS, que o valor tenha sido objeto de retenção ou seja devido diretamente ao Município.  

A redução da base de cálculo é pacificamente admitida pela própria Receita Federal do Brasil, conforme exemplificado pela Solução de Consulta nº 173/2014 que, por ter sido proferida pela Coordenação de Sistema de Tributação (Cosit) é vinculante para a Receita Federal do Brasil (RFB), nos moldes do art. 9º, da Instrução Normativa (IN) RFB nº 1.396/2013:

 Solução de Consulta Cosit nº 173/2014

SIMPLES NACIONAL – MONOFÁSICOS

Para os fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2008, na tributação, pelo Simples Nacional, das receitas provenientes da venda de produtos sujeitos à tributação concentrada (i.e., monofásicos), inexistia amparo legal para, de qualquer modo (p.ex., segregação de receitas ou desconsideração de percentuais), alterar os percentuais relativos à Cofins e à Contribuição para o PIS/Pasep. Contudo, para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2009, o Simples Nacional passou a admitir a redução do valor a ser recolhido, nos termos do art. 18, § 4º, inciso IV, e §§ 12 a 14, da Lei Complementar nº 123, de 2006.

DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 18, § 4º, IV, § 12; Lei Complementar nº 128, de 2008, art. 14, II, Lei nº 10.147, de 2000, art. 2º, parágrafo único.

 Considerando que o assunto não é controverso, deve-se perquirir o alcance do pedido formulado na petição inicial do contribuinte cujo recurso foi indeferido pelo STF e, com isso, entender a razão do ajuizamento da demanda.

Inicialmente, percebe-se que se trata de Mandado de Segurança (2008.72.03.001184-4), ajuizado em 16 de maio de 2008, ou seja, anteriormente à edição da LC nº 128, de 19 de dezembro de 2008 e, portanto, por óbvio, o contribuinte jamais poderia estar se referindo àquela.

Leiam-se os termos do pedido principal:

e) Conceder, afinal, a segurança definitiva para declarar e assegurar o direito líquido e certo da Impetrante de reduzir a zero as alíquotas do Programa de integração Social, PIS, e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social, COFINS, abrangidos pela sistemática do Simples Nacional, reconhecendo, incidentalmente e para o caso presente, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.147/2000, pelos fundamentos expostos no presente mandado, enquanto a Impetrante permanecer na condição de microempresa ou empresa de pequeno porte e recolher os tributos e contribuições na sistemática do Simples Nacional. (Grifos do original)

Tanto a afirmativa acima está correta que, quando da interposição do Recurso Extraordinário colocado para julgamento pelo STF, o pedido formulado ao Pretório foi restrito a um período posterior ao ajuizamento da exordial, mas anterior à entrada em vigor da LC nº 128/2008:

e) Conceder a segurança para declarar e reconhecer como pagamentos indevidos os realizados pela Recorrente a título de PIS e de COFINS incidentes sobre a receita bruta da venda dos produtos especificados no art. 1º da Lei nº 10.147/2000, nos períodos em que optou pela sistemática do SIMPLES (desde a entrada em vigor da Lei nº 10.147/2000, em 01/05/2001, até a revogação da Lei nº 9.317/1996, em 30/06/2007) e do Simples Nacional (desde a entrada em vigor da LC nº 123/2006, em 01/07/2007, até a edição da LC nº 128/2008, em 01/01/2009), assegurando, consequentemente, o seu direito de compensar, após o trânsito em julgado da decisão, os valores que tenham sido recolhidos indevidamente, com quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;

Confirma-se, portanto, que a decisão proferida pelo STF, no julgamento do RE nº 1199021, não prejudica as empresas tributadas, atualmente, pelo Simples Nacional, até porque não pode atingir fatos geradores ocorridos após a edição da LC nº 128/2008, um vez que, qualquer manifestação sobre as alterações legislativas ocorridas após o ajuizamento da demanda, por jamais terem sido abordadas pela peça inaugural, corresponderiam a uma decisão extra petita, constituindo vício de qualidade, passível de nulidade em face à violação dos princípios da adstrição e do contraditório.